As indústrias farmacêuticas estão em constante desenvolvimento para melhorar e ampliar sua participação no mercado, buscando se adequar às demandas que surgem, dia após dia. Por isso, investimentos bilionários são feitos em processos complexos, comumente baseados em inovação.
Estudos já sentenciaram que o processo de desenvolvimento de novos produtos tem como objetivo possibilitar um aumento sobre o retorno econômico da indústria por meio da produção e lançamento de produtos competitivos e inéditos. O processo, sendo eficaz, concede que as companhias compreendam de maneira rápida as necessidades que os clientes demandam, possuam flexibilidade em momentos difíceis para o mercado, impossibilitem a inserção de novos concorrentes e explorem chances de novos mercados por meio desses lançamentos.
“Toda vez que vamos lançar um produto novo, é necessário algo motivador, que nos faça pensar nesse produto. Por exemplo, os mercados que desejam esse produto, se cabe esse produto no mercado, onde se quer lançar, o preço que você tem de custo, se ele é compatível com o preço ao consumidor... Ou seja, você vai lançar um produto que você vai cobrar X do consumidor e você tem que ver o seu custo. Você tem que ver se vai conseguir ganhar dinheiro com esse lançamento”, explicou o diretor de unidade de negócios, Elcio Dal Belo Marques, em entrevista publicada no portal do ICTQ.
Ao responder a esses questionamentos, e se as respostas forem positivas, busca-se entender como esse produto chegará ao consumidor final. Segundo Marques, se pode fazer uma estratégia de lançamento totalmente online, em que se utilizará uma plataforma digital de vendas ou se opta por usar um marketplace que, falando mais especificamente do mundo virtual, são plataformas onde vendedores oferecem seus produtos e serviços a potenciais compradores. Marques ressaltou que no Brasil existem uma série de marketplaces.
Atenção à pirâmide de clientes
O professor exemplifica com um lançamento em que se precisa de uma base offline, isto é, a indústria tem a missão de atingir os seus consumidores por meio do varejo. Logo, ao se imaginar a base da pirâmide de clientes, pensa-se no canal do farmacêutico no topo da pirâmide – com as principais redes de farmácias, e para se chegar nesse topo faz-se o uso de vendedores próprios, que venderão os novos produtos para essas grandes redes.
No meio da pirâmide estão as redes intermediárias e na base as farmácias independentes. Para atingir os consumidores desses clientes/canais farma, as indústrias precisam de distribuidores, logo é necessário montar o seu benchmarking baseado em onde se pretende colocar o seu produto, em que tipo de gôndolas, em que tipo de farmácias.
“Se forem produtos para atingir mais a classe social A, provavelmente ele estará posicionado nas grandes redes. Se for um produto para atingir as classes A, B, C e D, ele estará nas grandes redes, mas precisa estar nas farmácias independentes também. Existe uma série de distribuidores farmacêuticos que atingem essas farmácias independentes, e toda a estratégia de lançamento da indústria dependerá muito do tipo de consumidor que se quer atingir e da maneira que pretende atingi-lo”, explica Marques.
Investimentos bilionários
Segundo o especialista em gestão, Carlos Honorato, a estratégia de lançamento de novos produtos no setor farmacêutico é muito baseada na capacidade que se vai ter de vender esses produtos no mercado. Existem níveis diferentes na indústria, como os grandes players, as gigantes empresas globais, que são muito focadas no desenvolvimento tecnológico. Ao analisá-las percebe-se que investem bilhões de dólares no desenvolvimento tecnológico de um novo produto.
“Elas tendem a focar muito em mercados onde se terá retorno para esse investimento. O foco está em doenças crônicas, como diabetes, câncer, e algumas outras que atingem uma grande gama da população, populações que têm capacidades de manter esse pagamento. Boa parte dos grandes grupos industriais farmacêuticos desenvolve novos produtos nessa área”, destaca Honorato.
A indústria farmacêutica que conseguir finalizar primeiro a vacina contra o novo coronavírus, ou descobrir a cura do câncer ou um medicamento que seja muito eficaz, certamente terá um retorno muito maior. Honorato reconhece que quando se compara as pesquisas para medicamentos contra o câncer com medicamentos para doenças de países em desenvolvimento, como malária e dengue, o esforço já não é o mesmo, porque nesses mercados já não se trata mais de algo tão competitivo.
De acordo com Honorato, existe um segundo grupo de indústrias farmacêuticas, conhecidas como seguidoras do inovador – daquelas que investem bilhões. A estratégia das indústrias inovadoras é chamada start to move, ou aquele que primeiro se movimenta. Os late to move, ou movimentadores atrasados, seguem o que ditam as gigantes de mercado – grandes corporações que faturam bilhões, e têm àquelas que às vezes estão focadas no desenvolvimento de medicamentos genéricos, aqueles que usam formulações, patentes que já estão livres de domínio público.
A estimativa, segundo o especialista, é que um novo medicamento custe na faixa de US$ 1 bilhão (R$ 5,64 bilhões), um valor que não é perdido, porque o desenvolvimento tecnológico faz com que se recupere. Todo esse gasto da indústria não é em um único medicamento, há o aprendizado de laboratório, o entendimento de como os medicamentos funcionam, conhecimento que fica acumulado e pode ser usado para o desenvolvimento de outro produto.
Regras de mercado
“O desenvolvimento de novos produtos na indústria farmacêutica obedece a algumas regras claras de mercado. Primeiro, as companhias não estão buscando criar o medicamento sem que se tenha um mercado consumidor com renda disponível para comprar esse produto. A pesquisa tecnológica é feita para medicamentos que vão para mercados que tenham condições de pagamento, ou seja, que possam ser comprados pelas pessoas. Por isso que entendemos porque os grandes grupos industriais começam a ter um processo de fusão ou mesmo de aquisição. Eles precisam de um volume muito grande de recursos para fazer esses investimentos”, reitera Honorato.
Trade marketing
Marques revela que as indústrias possuem um departamento de trade marketing, que analisa os hábitos e preferências dos consumidores para o sucesso das estratégias de marketing e vendas. É ele quem define quais canais de mídias serão utilizados, que produtos desenvolvidos e que canais de comercialização para atender às preferências de consumo do público-alvo.
Segundo o portal Clube do Trade, as grandes, as médias e até as pequenas indústrias entenderam que é preciso coletar dados e monitorar o trabalho que é realizado pelas equipes de promoção e merchandising. Afinal, de nada adianta ter os números se não é possível alinhar isso com a estratégia inicial. O trade marketing pode se utilizar de variadas formatações para aplicar seus conceitos em diferentes segmentos da empresa. Para que isso aconteça com fluidez, é preciso entendê-lo como um departamento.
À frente do trade marketing pode estar um profissional de marketing propriamente, que foi trabalhar na indústria, e é muito comum na indústria farmacêutica ou cosméticos que uma pessoa comece estagiando no desenvolvimento de produtos e depois siga para a área de marketing. Marques reforça que atualmente o farmacêutico ocupa todas essas posições dentro de uma companhia.
“Ele trabalha desde a linha de produção, no desenvolvimento e trabalha também no marketing. Você acha farmacêutico em todas as áreas. E mesmo no trade marketing é comum você encontrar farmacêuticos desenhando a estratégia de go to marketing, a forma como o produto irá para o mercado. Se vai por meio do online ou do offline, dependendo do tipo de consumidor que se quer atingir”, salienta Marques.
Visitação médica
Há ainda uma ‘velha conhecida’ estratégia pautada em provocar a demanda do seu produto. Ao lançar e incluir determinado medicamento nas gôndolas de farmácias, é fundamental garantir que o consumidor final saiba e vá até o estabelecimento para adquirir a novidade. Essa demanda pode ser provocada pela visitação médica. Como assim? As indústrias colocam uma equipe na rua para visitar consultórios médicos e hospitais para fazer propaganda do produto.
“Essas equipes vão até o médico, falam quais as características e os benefícios do produto e buscam convencê-lo a receitar tal medicamento. Aqui se insere toda a estratégia por trás disso, que além do departamento de trade marketing, normalmente as indústrias farmacêuticas têm um departamento médico, que é responsável por conseguir todas as publicações médicas sobre aquele produto, sobre aquela matéria-prima, sobre aquele princípio ativo, para estruturar o material que o propagandista levará na visitação para convencer o médico de que se trata de um produto eficaz”, detalha Marques.
Segundo ele, normalmente as indústrias brasileiras trabalham com produtos já testados no exterior, princípios ativos comuns em outros países. Por isso, publicações sobre determinado medicamento ou princípio ativo são amplas e a estratégia, então, será mostrar ao médico que se trata de um produto que já está sendo prescrito em uma parte do mundo ou um país ou em um continente.
“Os produtos que exigem prescrição não podem ser utilizados para fazer propaganda na televisão e nenhum veículo de comunicação. A única maneira é por meio da prescrição médica ou se vai lançar esse produto como um similar ou como genérico. Nesse caso você não precisa fazer as visitações, porque o fato de ele ser um similar ou um genérico você consegue colocá-lo diretamente no ponto de venda. A grande diferenciação deles para o produto de referência é o preço, tanto para o genérico como para o similar”, ressalta Marques.
De acordo com Honorato, em geral, o trabalho das indústrias farmacêuticas é tentar identificar nichos em que ela pode atuar para ter rentabilidade. A tendência do mercado é tentar, por um lado, desenvolver produtos que atendam a doenças específicas e, no outro extremo, criar genéricos ou produtos mais populares, porém, que tenham algum apelo de marketing, apelo de mercado.
“É o que vemos, por exemplo, de alguns laboratórios associando medicamentos básicos a músicas sertanejas. Isso é uma estratégia de você lançar um produto novo, de uma fórmula que é conhecida, que todos os laboratórios produzem, só que criando um apelo para a minha marca, para o meu laboratório”, finaliza Honorato.