O pequeno varejo, que inclui mercadinhos, farmácias de bairros, bares e pequenos restaurantes, formam a massa do comércio brasileiro. São negócios que chegam aonde nem toda grande rede alcança, em regiões mais isoladas e de baixa concorrência, que já, naturalmente, vendem mais caro por isso - e nos últimos tempos, mais caro ainda.
É o que mostra o cruzamento de um estudo sobre esse segmento no Brasil com dados da escalada da inflação desde 2024.
De acordo com levantamento da empresa de pesquisas de mercado NielsenIQ (NIQ) para o Valor, esse varejo independente soma 1,12 milhão de estabelecimentos no Brasil, respondendo por 95% do total de pontos de venda em operação em seus segmentos - ou seja, nove entre cada dez são pequenos. É maior do que o segmento no México (861 mil pontos) e quase três vezes o tamanho da Colômbia (453 mil).
A pesquisa mostra quais são as dez categorias mais desenvolvidas e as menos desenvolvidas nesses locais, logo, com maior ou menor presença nos estabelecimentos.
Ao se comparar essas informações com variações de preços no acumulado de 12 meses, se verifica que em 6 categorias das 10 mais bem exploradas (e que historicamente já registram preços mais altos que o mercado, pelo estudo) a inflação tem vindo mais forte que a média geral. Estão nesse grupo: carnes, chocolates, pães e bolos, café, leite em pó e salgadinhos.
Pelo material, 73% das categorias de produtos bem exploradas pelos pequenos comerciantes têm preços acima da média do mercado em geral, e os 27% restantes ficam abaixo.
Outro estudo, da Scanntech Brasil, fornecedora de dados e serviços ao varejo, mostra que lojas que dispõem de um a quatro caixas aumentaram preços, em média, em 6,1% em março frente a 2024. Em lojas com mais de 10 caixas, a alta foi menor, de 4,5% (veja matéria ao lado).
Em períodos de mais reajustes na cesta de alimentos e bebidas, os itens básicos, de presença obrigatória nas gôndolas, sobem mais de preço nesses pontos também. Os altos custos logísticos, negociações de compra via atacadistas e distribuidores e o capital de giro mais caro afetam competitividade e preço.
E o encarecimento acaba reforçando a percepção de uma inflação mais disseminada, já que são estabelecimentos espalhados pelos cantos do Brasil, e majoritariamente, liderados por empreendedores e famílias.
Estima-se que o brasileiro vá, em média, 74 vezes ao ano fazer compras em minimercados, versus 16 vezes em supermercados tradicionais (veja tabela).
Dentro dessa lógica, seria possível considerar que, na ponta oposta, das categorias bem exploradas no varejo independente, e com preços abaixo da média, seria possível trabalhar melhor a venda. Ocorre que entre os 10 itens dessa lista, segundo a NIQ, cinco superaram o IPCA geral (5,06%): suco, refrigerante, água, iogurte e cigarro. Ficaram abaixo chinelos e ração, por exemplo.
“Esse negócio sobrevive pela compra de conveniência ou urgência. O consumidor que vai no mercadinho da esquina da casa aceita pagar mais porque precisa, mas ele leva pouca coisa. Numa compra maior, e por conta da alta forte nos alimentos, ele pega o carro no fim de semana e vai economizar no atacado ou no hipermercado”, diz Fábio Pina, assessor econômico da FecomércioSP.
Levantamentos sobre a força dos canais têm função estratégica para as marcas. Servem para ajudar a indústria a identificar onde há chance de ganhar mercado, frente às marcas populares e regionais. A NIQ chega a identificar no seu estudo, enviado a clientes, formas de explorar melhor o pequeno canal de venda quando o preço sobe.
A pesquisa analisou o autosserviço independente (supermercados), lojas com atendimento em balcão, farmácias independentes, bares, restaurantes e casas noturnas. Como critério, considerou-se varejo pequeno os negócios com uma a cinco lojas e menos de mil metros quadrados de área.
Essas operações têm peso relevante em diversas partes do país, como no Nordeste, região decisiva na vitória do presidente Lula em 2022. Nesses Estados, o varejo independente responde por 54% do mercado total (em receita). No Sul, a participação é de 56%, enquanto em Minas Gerais, Espírito Santo e interior do Rio de Janeiro, é de 57%.
É preciso buscar alternativas. Se a carne sobe, tem que oferecer a carne de porco ou a salsicha”
Mas tem presença menor em São Paulo, onde responde por 42% do faturamento do setor. O aumento no custo da comida, ao lado do tema da violência, tem sido um dos principais responsáveis pela perda de popularidade de Lula.
Para o empresário Renato Lang, presidente na Associação de Mercados, Minimercados, Padarias e Açougues de Porto Alegre (Rede Ammpa), há impacto da gestão dos negócios no preço final e no resultado das vendas.
Lang diz que o forte dos pequenos supermercados são as áreas de frutas, verduras, legumes, o açougue e a padaria, e boa parte dessa cesta tem sido duramente afetada pela inflação. Só a carne subiu 21,16% em 12 meses até março.
“A palavra é gestão. Nessas horas, é preciso buscar alternativas que tragam um melhor serviço, para eu ter maior margem de lucro. Por exemplo, ninguém mais quer comprar produto sem estar fatiado ou cortado, pronto para ser preparado ou consumido”, afirma.
“Então se a carne [bovina] está cara, eu vendo salsicha e carne de porco, que são mais baratas. E também a carne moída, que tem bastante saída - a ‘carne de segunda’ já fica pronta para a venda logo pela manhã. Temos que achar caminhos, senão você está morto”, diz.
O executivo Gabriel Fagundes, diretor da NIQ, diz que os negócios independentes perderam participação de mercado (em valor vendido), passando de 53% da venda total do varejo entre janeiro e novembro de 2023 para 51% no mesmo período de 2024. Ao mesmo tempo, os negócios de porte maior passaram de 47% para 49% do total.
Isso ocorre porque parcela do comércio independente tem tido alta na receita abaixo de grandes cadeias, e pelo avanço do atacarejo, com preços entre 8% e 10% mais baixos que os supermercados. Mas mesmo assim, Fagundes entende que a manutenção de mais da metade da venda (51%) num contexto de forte competição deve ser visto como algo positivo.
“Olhando os dados, concluímos que para crescer no Brasil, precisa se expandir no pequeno negócio pela sua força e capilariedade”, diz ele. “E verificamos que o Brasil tem uma quantidade muito maior de fabricantes locais, de capital fechado, vendendo para o varejo independente, do que a Colômbia, por exemplo”, afirma.
Entre os caminhos possíveis para equilibrar isso, diz Fagundes, está ampliar a venda de produtos com tamanho menor. A loja pequena comporta só 8% do volume de itens vendidos num supermercado tradicional.