As vendas nos supermercados, atacarejos e farmácias não conseguiram se recuperar desde a semana de celebração da Páscoa - o intervalo entre fim de abril e fim de junho foi o pior período do ano, em total de unidades vendidas, até o momento. Manutenção de preços em patamar elevado, apesar do recuo recente da inflação, e endividamento que demora a ceder podem explicar esse cenário.
As informações são coletadas semanalmente pela NielsenIQ (NIQ), que reúne uma base de dados de 1 milhão de pontos de venda no Brasil, e foram obtidas com exclusividade pelo Valor.
Há uma curva de desaceleração na taxa de crescimento, depois de certa estabilidade em junho num baixo patamar, frente aos meses anteriores. Isso ocorreu mesmo com a perda de vigor da inflação alimentar após abril, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, o que poderia ter repercutido positivamente nas vendas.
Pelos dados, nos dias anteriores à Páscoa, como historicamente ocorre, a demanda nas lojas cresceu, especialmente no varejo e no atacarejo, com alta de 16,5% em unidades vendidas. Em valor, a receita subiu 28,5% frente ao ano anterior - a diferença se refere ao impacto da inflação no período.
Nas semanas seguintes, como também é comum, houve retração na demanda, porque o consumidor, muitas vezes, se abastece na Páscoa, ou gasta além do que previa, e há uma espécie de “ressaca”.
Mas essa queda na venda se estendeu por três semanas consecutivas, até quase a metade de maio. Sobre o tema, questionada se é normal três semanas seguintes de retração no volume vendido, como em 2025, a NIQ diz que, pelo histórico, o patamar de venda se reestabelece após a semana imediatamente posterior a data sazonal.
"A venda semanal volta a sua curva normal pois o consumidor precisa buscar a reposição das cestas de consumo regular após ter priorizado o consumo da cesta de páscoa", disse, em nota, a líder de análise de varejo da empresa, Gabriella Berman.
A NIQ ainda confirma que, após uma semana de pico de vendas, as semanas seguintes têm menor demanda e menor gasto. Neste sentido, a semana da Páscoa representou 24% do volume das quatro semanas de abril, e a semana seguinte, 21%. Dessa forma, houve um maior peso em semanas pré-Páscoa (55% das vendas do período). Em 2024, a semana da Páscoa representou uma participação menor, 27% do volume, e a pós-Páscoa, 28%, e com 45% da venda do período no ano passado, evidenciando a tendência de antecipação das compras, diz a executiva.
Em junho, as vendas pararam de cair, se mantendo em alta anual de 2,3%, em média, índice que não é desprezível no caso de alimentos - normalmente com demanda próxima à variação do Produto Interno Bruto (PIB) -, porém abaixo da média do ano, de 3,5%.
“Depois da Páscoa, o mercado parou”, disse o presidente de uma rede formada 200 lojas no Sudeste e no Sul do país. De acordo com um segundo executivo, do setor de atacarejo, a inflação de alimentos em sua rede está em 10% no ano. Então mesmo a recente desaceleração da inflação ainda tem impacto tímido na venda.“ Qualquer crescimento em faturamento inferior a 10% versus o ano de 2024 representa queda de volume”, disse.
No fim das contas, no acumulado do ano, de 1º de janeiro à 22 de junho, o volume vendido nos supermercados, atacarejos e farmácias avançou 3,5% em unidades vendidas. Em termos de valor, a expansão foi de 10,9%.
Ao se comparar com o ritmo de 2024, há desaquecimento no total de unidades vendidas. O ano passado fechou com alta maior em unidades vendidas, de 5,4%, mas em valor, subiu menos, 9,4%.
“Nesse crescimento maior, de dois dígitos neste ano, há o efeito da alta do dólar sentida desde novembro de 2024, que bateu nos preços em 2025”, disse o consultor Eugenio Foganholo, há 30 anos neste mercado, e diretor da Mixxer Desenvolvimento Empresarial.
O comando das grandes cadeias, como Carrefour, Assaí, Atacadão e Pão de Açúcar, recebe esse relatório da NIQ, um dos mais tradicionais do mercado, até para se comparar com o restante do setor.
Supermercados e hipermercados, especificamente, têm puxado mais o índice geral de volume para baixo do que farmácias, com comportamento mais positivo no ano.
Também chama a atenção o fato de que o atacarejo, de redes como Atacadão, Assaí e Tenda (historicamente com preços de 10% a 15% abaixo dos supermercados), tem sido um canal volátil em 2025, com mais altos e baixos na venda mensal.
Um cruzamento de desempenho por cada canal, feito pela NIQ, mostra essa volatilidade entre o fim de abril e o de junho.
Isso provavelmente reflete o fato de ser um negócio mais dependente da venda de commodities (como arroz, feijão, café, etc.) e por ter adicionado serviços às lojas, como padarias e açougues, que encarecem o modelo de operação.
A questão é que isso acaba afetando a percepção do consumidor sobre inflação em geral, pela presença do atacarejo no dia a dia da população.
Cerca de 42% do faturamento do setor de autosserviço no país vem do atacarejo, segundo dados de junho. É quase o dobro do peso dos supermercados de grande porte.
Para Foganholo, o consumidor tem adotado um comportamento mais errático, sem padrão claro de consumo, como efeito de um cenário de menor confiança na economia e num ambiente político mais conturbado no segundo trimestre.
Dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicados no fim de junho, mostram que a confiança do consumidor cedeu no mês passado, após três meses positivos, em um movimento de acomodação, diz o relatório.
Para a fundação, o indicador que mede a percepção sobre a situação financeira foi o principal motivador do resultado, sugerindo que os consumidores seguem preocupados com o orçamento doméstico, apesar da melhora em índices como emprego, diz no documento.
Isso ocorre principalmente num contexto de endividamento das famílias estável, que não cede, segundo o Banco Central, e alta dos juros, afirma a FGV no texto.
“A visibilidade é baixa, os varejistas parecem que estão dirigindo sob neblina. E, neste caso, não é apenas efeito eventual dos gastos em ‘bets’, porque isso já existia em 2024”, afirma o consultor.
“Tivemos esse cenário político mais confuso e se falando muito em aumento de impostos. O consumidor nem sempre sabe o que é a alta do IOF [Imposto sobre Operações Financeiras], mas entende que isso pode afetá-lo”, afirmou.
O executivo ainda sugere eventual impacto da Copa do Mundo de times da Fifa, que teria reduzido a circulação de compradores nos fins de semana, mas entende que isso se somaria a outros fatores para ter impacto mais relevante. Outro relatório, para complementar a visão relacionada ao primeiro semestre, mostra exatamente o nível de circulação de consumidores nas lojas
Coletado pela empresa de dados Virtual Gate, e obtido pelo Valor, o número se mantém positivo no ano, mas desacelerou no segundo trimestre em relação aos primeiros três meses. O índice caiu de 3,7% para 2,1% no período, segundo a diretora executiva da companhia, Heloísa Cranchi.
Neste caso, entram no cálculo lojas de rua e shoppings centers, então há dados de supermercados e farmácias, assim como de moda e eletroeletrônicos, entre outros.
A Virtual Gate faz a medição eletrônica de fluxo nas lojas por meio de 3,5 mil câmeras instaladas nos pontos de venda - a empresa cobre 65% dos shoppings do país.