Os investimentos em inteligência artificial (IA) têm atraído recursos para as bolsas mundiais, principalmente dos Estados Unidos, que vêm batendo recordes. Ao mesmo tempo, a economia americana está desacelerando, o dólar vem atingindo patamares mínimos históricos, e os sinais da atividade global são preocupantes. O cenário foi traçado ontem durante evento promovido pelo BTG Pactual pelos gestores Rogério Xavier, da SPX Capital; André Jakurski, da JGP; e Luís Stuhlberger, da Verde Asset.
“O dinamismo da economia global está preocupante e deveríamos nos perguntar se essa dicotomia entre Wall Street e main street [economia real] é razoável”, afirmou Xavier, fundador da SPX. “Não é porque a bolsa está bem que não tem algo por trás que deveria ser mais investigado.”
Segundo ele, a redução de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) “não saiu de um desejo de [Donald] Trump”, mas sim do enfraquecimento do mercado de trabalho do país, processo que, afirmou, já vem acontecendo há dois anos.
Xavier disse estar apreensivo com dados econômicos principalmente da Ásia. “A atividade no continente asiático está muito fraca e não sei se os Estados Unidos sozinhos vão conseguir fazer com que a economia mundial tenha um desempenho no mínimo razoável”, avaliou, ressalvando que possivelmente nem os cortes adicionais de juros, adotado em países como o Canadá, serão suficientes para mudar o quadro.
O mercado sabe que o Trump quer desvalorizar o dólar, e ele tem conseguido tudo que quer”
— Luís Stuhlberger
Para Jakurski, sócio fundador da JGP, contribuiu para a queda do dólar o diferencial de juros. De acordo com ele, os EUA são o único mercado do mundo onde as taxas de dez anos caíram, enquanto no Japão e na Europa houve alta. O empresário frisou que a queda é natural também diante do déficit fiscal de 6,5% a 7% do governo americano, que não será compensado pela arrecadação com as tarifas sobre o comércio exterior.
“Para o dólar se desvalorizar, não precisa ter saída de dinheiro dos Estados Unidos, basta não ter entrada adicional. Como eles têm um déficit em conta corrente gigante, para manter o valor do dólar tem que continuamente entrar mais dinheiro no país. Se há uma pequena desaceleração na entrada, desvaloriza o dólar”, explicou.
Ele afirmou que não pode prever se o dólar vai continuar caindo no mesmo ritmo visto até agora, mas avaliou que as tarifas não vão compensar a totalidade do gasto incremental do “One Big Beautiful Bill”. “Tudo que o presidente Trump queria está acontecendo”, disse ele.
Stuhlberger, sócio fundador da Verde Asset, concordou: “É um paradoxo entre bolsa recorde e o dólar desvalorizando, mas temos que lembrar que a moeda partiu de um ‘all time high’ e ainda está acima do preço médio de longo prazo. Além disso, o mercado sabe que o Trump quer desvalorizar o dólar, e ele tem conseguido tudo o que quer.” Ele acredita que o presidente americano vê como uma boa medida a redução do déficit em conta corrente. “Na cabeça de Trump, já que não consegue reduzir o fiscal e tem os déficits gêmeos, se reduzir o déficit em conta corrente com tarifa e desvalorização de moeda já é alguma coisa. Não faz o menor sentido macroeconomicamente, mas é o que ele acha.”
Jakurski chamou a atenção para o fato de que ontem a bolsa de Nova York atingiu um nível dez vezes acima do menor patamar histórico, registrado em março de 2009. O fundador da JGP atribuiu a forte alta das bolsas à inteligência artificial, que vem atraindo “uma entrada gigantesca de dinheiro, não só nos EUA como nas [bolsas] europeias e agora nas asiáticas.”
“Só duas vezes vi o Fed baixar os juros com ações no ‘high’ histórico, que foram em 1995 e 1996 e o resultado foi uma bolha na bolsa até 2000.” Para ele, ao contrário do que se pensa, Jerome Powell, presidente do BC americano, “contraria frontalmente o presidente.” “Por isso ele concedeu baixar os juros e vai baixar mais uma ou duas vezes este ano.”
Em outro painel no evento, Eduardo Loyo, sócio do BTG Pactual e ex-diretor do Banco Central, afirmou que a atual gestão do Fed já tinha uma tendência mais “dovish” (propensa a corte de juros) do que “hawkish” (inclinada ao aperto monetário). “Não é como se fosse um governo pressionando um Fed ultra hawkish. Acho que é um Fed que tem tendência dovish por si só, sem pressão nenhuma”, afirmou Loyo.
Para ele, o Fed tomou a decisão de cortar juros no ano passado, por exemplo, sem que as condições de trajetória de inflação e mercado de trabalho estivessem dadas para se completar a convergência da inflação para a meta. Loyo reconheceu que há mecanismos de pressão sobre o Fed que transcendem os mais tradicionais de reclamação por parte do Executivo, mas ponderou que a eficácia pode ser menor do que parece. “Eu tenderia a dar um certo desconto”, disse. “Tendemos a dar mais crédito às interferências do que de fato elas têm. Mas, de fato, estamos em um momento de alavancas diferentes sendo acionadas.”