Por que as pessoas que recebem mais deveriam trabalhar mais do que as outras

Por que as pessoas que recebem mais deveriam trabalhar mais do que as outras

De tempos em tempos, algum país tem um debate nacional que resulta em aprendizado. Aconteceu no Reino Unido há cerca de dois anos, após a votação do Brexit, quando muitas pessoas descobriram, tardiamente, o funcionamento do mercado europeu.

Tenho acompanhado o debate francês sobre a idade apropriada para a aposentadoria. Qualquer dia desses, o Parlamento pode aprovar o projeto de lei para aumentar a idade de 62 para 64 anos. A discussão irrompeu por toda parte, das marchas de protesto até os gestos obscenos no Parlamento. Em meio a tudo isso, emergiram verdades surpreendentes que são válidas muito além da França. Minha principal conclusão agora: as classes sociais mais baixas deveriam poder se aposentar cerca de dez anos antes do que as mais altas.

De modo geral, existem dois tipos de trabalhadores: os de baixa e os de alta remuneração. Os bem remunerados tendem a estudar até bem depois dos 20 anos e, em seguida, podem tardar anos para escolher uma carreira. Eles têm muita autonomia no trabalho, às vezes com um escritório e até um banheiro só para eles. Controlam os próprios horários, veem o salário e o status aumentarem ao longo do tempo e relaxam numa piscina durante as férias. Alguns nunca querem se aposentar. Geralmente vivem até os 80 anos.

Agora pense nos trabalhadores mal remunerados, como faxineiros, caixas e trabalhadores da construção civil. Frequentemente, fazem sua capacitação profissional na adolescência e começam a trabalhar aos 18 anos. Têm pouca autonomia: costumavam ser comandados por humanos e, agora, cada vez mais por algoritmos, que ficam verificando coisas como o número de ligações telefônicas que fazem.

Muitos passam anos sem trabalho, incapacitados ou desempregados. Eles têm empregos, não carreiras. Aos 60, podem ainda estar esfregando o chão pelo salário mínimo. Quando mergulhei nessa vida em um trabalho de férias, separando caixas de leite em uma linha de montagem, cada minuto parecia uma hora. Alguns dos meus colegas de trabalho provavelmente estavam nisso havia 40 anos.

O deslocamento ao trabalho dos funcionários mal pagos em geral é terrível. Priscillia Ludosky, uma líder da revolta dos “coletes amarelos” na França, contou-me que o ponto mais baixo da vida suburbana parisiense é pegar o trem lotado para a cidade em uma manhã de segunda-feira. Um triunfo é chegar em casa, triturado, antes da hora de dormir dos filhos. Se essa é a sua vida profissional, a aposentadoria provavelmente é como uma libertação. No entanto, muitos dos mal remunerados acabam adquirindo alguma deficiência ou doença crônica por volta dos 60 e poucos anos e morrem aos 70.

É cruel fazer os dois grupos trabalharem até a mesma idade. O economista francês Thomas Piketty argumenta que, em vez de estabelecer idades de aposentadoria, deveríamos contar os anos trabalhados. Se todos trabalhassem 43 anos, talvez o lixeiro pudesse se aposentar aos 60 e o advogado, aos 67. O debate nacional na França convenceu o governo disso. Seu plano revisado leva em conta “carreiras longas”: as pessoas que começaram a trabalhar antes dos 16 anos podem se aposentar aos 58, enquanto as que começaram aos 18 podem se aposentar aos 60 e assim por diante.

Mas, dado o abismo entre as classes, as idades de aposentadoria provavelmente deveriam ser escalonadas ainda mais. É verdade que isso tornaria o sistema previdenciário mais complexo. Provavelmente seriam necessárias comissões especializadas para que ficassem atualizando o tempo de trabalho para cada ocupação. À medida que o trabalho evoluísse, haveria o constante abandono de regras antigas, como a que datavam da era das sujas locomotivas a carvão, que permitiam aos maquinistas franceses se aposentarem aos 52 anos. Mas, neste caso, a complexidade é mais justa.

A outra descoberta do debate francês: a maioria dos trabalhadores não gosta realmente de seus empregos. E o trabalho parece estar ficando mais intenso, talvez por causa da tecnologia que monitora as pausas e a digitação pelos funcionários.

Em uma análise dos resultados das Pesquisas Europeias sobre Condições de Trabalho de 15 países, Mariann Rigó, da Universidade de Düsseldorf (Alemanha), e outros pesquisadores constataram “que em termos gerais o estresse no trabalho aumentou de 1995 a 2015 e que esse aumento foi impulsionado principalmente por demandas psicológicas”. “As pessoas em ocupações menos qualificadas geralmente apresentavam níveis mais altos de tensão no trabalho e desequilíbrio esforço/recompensa”. No último relatório anual da Gallup sobre a Situação no Local de Trabalho Global, 44% dos trabalhadores, um recorde histórico, descreveram ter passado “muito” estresse no dia anterior. Apenas 21% se sentiam engajados no trabalho.

Se estamos precisando que as pessoas trabalhem por mais tempo, precisaremos melhorar sua experiência, talvez reduzindo o monitoramento. Devemos também capacitá-los para melhores empregos. E devemos combater a discriminação de idade para que alguém os contrate aos 60 anos. Se as pessoas no topo da sociedade vão adicionar fardos à vida de todos, primeiro precisam entender como essas vidas realmente são. (Tradução de Sabino Ahumada)

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