Com um mundo na palma da mão, é cada vez mais fácil e prático pesquisar e comprar itens de consumo. No Brasil, o e-commerce tem ganhado notoriedade constante. Segundo uma pesquisa da plataforma de pagamentos Nuvei, o comércio eletrônico deve movimentar mais de US$ 585 bilhões (R$ 3,13 trilhões) nos próximos dois anos. Apenas em 2024, o setor varejista registrou um volume de operações de US$ 137,3 bilhões (R$ 734,55 bilhões).
Diante desse cenário, abrir novas lojas físicas pode parecer uma decisão arriscada ou até mesmo ultrapassada. No entanto, marcas como Dudalina, Grupo Boticário e CVC mostram que a aposta em pontos de venda presenciais continua firme, impulsionada especialmente pelo trabalho de seus franqueados.
Embora vá contra a maré digital, os dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF) revelam que esse modelo de negócio segue em expansão. No segundo trimestre deste ano, o faturamento do setor de franquias cresceu 14% em relação ao mesmo período do ano anterior, alcançando quase R$ 70 bilhões.
Com o consumidor no centro da estratégia, o setor procura oferecer uma jornada de compra mais fluida, unindo conveniência, sensorialidade e emoção, mas, acima de tudo, reforçando seu diferencial competitivo.
Relevância
Muitas redes varejistas ainda obtêm a maior parte de seu faturamento nas lojas físicas. De acordo com Renata Viacava, diretora de marca da Dudalina, 70% das vendas da empresa são realizadas presencialmente. Ela afirma que essas unidades continuam sendo um importante canal de conexão com o público e fortalecimento do branding.Só neste ano, a Dudalina inaugurou 15 novas franquias e pretende chegar a 30 até 2026. “Queremos que cada cliente, em qualquer lugar do Brasil, viva a mesma experiência de atendimento, qualidade e estilo que nos tornou referência no segmento”, declarou Viacava em comunicado. Segundo ela, estar presente em diferentes regiões amplia o reconhecimento da marca, o que pode impulsionar as vendas.
A loja física, como explica Patricia Cotti, professora da FIA Business School, é um elemento de diferenciação, presença, criação e, acima de tudo, de relacionamento com o consumidor. Como contraponto, Ulysses Reis, professor da Faculdade Getulio Vargas (FGV) e gerente de varejo da Strong Business School (SBS), lembra que boa parte dessa expansão ocorre por meio do modelo de franquias. Ele observa que, nessa estratégia, o risco recai principalmente sobre o franqueado, enquanto o franqueador se beneficia com o aumento da receita via venda de produtos, serviços, treinamentos e maior exposição da marca.
Novas gerações, novas mudanças
O cliente que opta por ir a uma loja geralmente busca a experiência de tocar, observar em detalhes, sentir ou experimentar um produto. Às vezes, a escolha pelo presencial se dá simplesmente pela possibilidade de retirar rapidamente o que precisa. “O consumidor quer se relacionar diretamente com a empresa, isso nenhuma tela substitui completamente”, diz Viacava.
Nos últimos anos, no entanto, com a chegada de novos perfis de público, como as gerações Z e Alpha, o varejo entendeu que não basta oferecer apenas o contato físico, é necessário criar uma experiência completa.Cotti explica que o segredo está em uma combinação. “As marcas que têm um posicionamento digital relevante, com parcerias com influenciadores, e uma presença física consistente, acabam performando e vendendo muito bem.”
Outra estratégia para atrair consumidores é oferecer serviços diferenciados. No Grupo Boticário, por exemplo, as novas lojas da Beleza na Web vão contar com análise capilar e maquiagem personalizada, enquanto as unidades da Eudora trarão curadorias de beleza com especialistas, tendências e tecnologia. Ao todo, 17 unidades oferecerão esses atendimentos.
Para Natália Calixto, diretora de gestão do valor do consumidor no Grupo Boticário, o público atual espera que as marcas antecipem suas necessidades. “Eles esperam que as empresas ofereçam soluções relevantes em todos os pontos de contato e as lojas físicas cumprem um papel essencial nesse processo, como espaços de experiência e proximidade”, afirma.
Multicanal
Especialistas ouvidos pela Forbes Brasil alertam que não adianta investir em lojas físicas se elas não estiverem integradas ao ambiente digital. Essa conexão já vem sendo aplicada por empresas como CVC e Grupo Boticário.De acordo com Emerson Belan, vice-presidente de B2C da agência de viagens, a CVC aposta em uma jornada multicanal e interligada, o chamado phygital, que mescla os mundos físico e digital. A estratégia, desenvolvida desde 2023, permitiu a abertura de 650 lojas entre 2024 e junho de 2025. Hoje, o phygital é responsável por 54% das vendas da empresa.
A abordagem multicanal também visa atender locais que ainda não contam com unidades físicas da CVC. No Brasil, de 4.575 municípios, 619 já têm alguma loja da rede. “É possível comprar de casa com a assistência de um agente de uma loja física. Por exemplo, quando o cliente clica em um anúncio, ele responde a perguntas de um chatbot e fornece sua localização. Com base nisso, a solicitação é redirecionada para a loja mais próxima, onde um vendedor o atende”, explica Belan.
A CVC projeta encerrar 2025 com entre 180 e 200 novas lojas abertas. Atualmente, são cerca de 1,5 mil unidades espalhadas pela América Latina. Para Reis, os canais físico e digital não competem entre si, mas se complementam. “Eles contribuem para ampliar a experiência de compra e aumentar a conveniência”, afirma.
A empresa de cosméticos compartilha dessa visão. “Estudos internos apontam que consumidores que transitam entre os ambientes físico e digital demonstram uma frequência de compra quase três vezes superior à dos clientes exclusivamente digitais”, informou o Grupo Boticário em nota.
Na Dudalina, mesmo com o domínio das lojas físicas, o digital vem ganhando força rapidamente. “Não vemos esses canais como concorrentes, mas como complementares. A jornada do consumidor hoje transita entre o digital e o físico, e nosso papel é garantir consistência e excelência em ambos”, reforça Viacava. No segundo trimestre deste ano, a marca registrou faturamento de R$ 59,8 milhões, um crescimento de 10% nas vendas.
Momento é bom ou ruim?
Na avaliação de Cotti, este é um momento favorável para muitas varejistas, especialmente com a aproximação de datas estratégicas como a Black Friday e o Natal. “Há um certo otimismo de que o ano encerre de forma positiva, após o último não corresponder às expectativas”, comenta. Já o professor da FGV e diretor da Canal Vertical, Roberto Kanter, vê o cenário como intermediário. Enquanto alguns segmentos se recuperam bem, outros ainda enfrentam os efeitos do aumento no custo de vida das famílias.
Por fim, Reis adota uma visão mais crítica. “O varejo brasileiro vive um período de crise, em que os consumidores têm comprado menos diante de preços mais altos”, analisa. Dados do Índice de Varejo da Stone (IVS) mostram que, em agosto, as vendas caíram 1,5% em relação a julho. O único setor que apresentou avanço no período foi o de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, com alta de 1,7%. No comparativo anual, o IVS registrou retração de 3,3%.
